
"A Borboleta do teu Jardim" - Óleo sobre tela, José Alves
Não sei se a viste...
Passou tangente, por detrás de ti, sim.
Num movimento de dança do ventre,
oblíquo, redondo, nervoso;
Pulsação da terra
que conquista o vento,
massa de ar gigante
que desafia fora de tempo
com a densidade do pó com que são feitos os sonhos
Não sei se notaste,
que mergulhou num assalto
irreflectido, genuíno,
quase inconsciente...
Mergulho cego,
mergulho mortal,
que as suas pequenas asas desafiam,
e desfiam,
para bordar o mais belo voo conhecido.
Contraponto no ar
profundamente impelido
por essa aposta que não fez:
ser livre.
Consigo traz o casulo do passado,
invertebrado animal,
lânguido, frágil, inseguro
devoto de uma beleza
que outrora não lhe assistiu
e, agora sem saber, existe,
na forma de um coração partido
que procura por esse lugar proibido.
Não sei se percebeste,
que só quer ser a borboleta do teu jardim,
uma centelha de sensualidade tímida
nesse não-lugar verdejante
que se revela diferente a cada olhar.
E assim lá vai,
voa,
jura,
acredita,
que te faz parte,
ainda que para ti ausente,
desse espaço onde repousas da existência,
e cultivas os sonhos que te caem das pestanas
como quem só vê o que sente.