15.12.11

Beijinho




Há pessoas controversas.
Pessoas das quais toda a vida se fala, com as quais toda a vida se fala. Um ponto aqui, uma nota acolá..uma pauta preenchida de grandes silêncios, silêncios que a vida encontra para se construir na ausência do teu som.
Passam-se meses a saber as notícias por outrem, passam-se anos a dar as notícias por outrem.


Notas mais graves arrancam um telefonema, mais agudas, preocupação.


E assim a partitura vai-se reinventado, entoando a nossa interacção. Ora longa e quase siamesa, estendendo-se numa conversa infinita de pormenores e projectos, de conselhos e orientações, que a vida foi tratando de destruir, porque o mundo foi tratando de a surpreender. Ora breve e conflituosa, porque dura, directa e amarga.


Creio que foste a primeira pessoa controversa na minha vida. A primeira com quem discuti. A primeira com quem gostei de discutir. Fina inteligência tinhas tu. Adolescente respingona era eu.


Cheias foram essas as primeiras páginas da nossa partitura.


O depois trouxe os entretantos e, numa cadência mais suave, aprendi a importância do passado. Nas fotos, nas recordações. tudo geometricamente guardado, tudo cronologicamente exposto aos meus olhos. As origens e os porquês. O Avô e, olha, que família tão grande, os automóveis antigos e, vê, aqui a Manela.


Obrigada.


Mas o cuco foi soando à hora certa e deixei de aparecer. Caminhei sempre com o descanso de ter quem rezasse por mim. Era bom. Podia ser que se Deus existisse, ele soubesse notícias minhas por ti, assim como eu ia sabendo tuas por intermédio de alguém. Não era a mesma coisa, mas nem sempre a verdade é boa.


Ontem a melodia terminou e hoje feriu-me os olhos com o som das pás e o silêncio da minha boca que não sabe rezar, mas sabe sentir.


A tua alma a Jesus.
Em paz.

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