17.5.09

Pedaços de Contos - I




...ele surgiu-lhe com os movimentos do vento e a voz no peito.

No topo do seu figurino delineava-se um chapéu de abas preto, que se mexia sem rosto, ondulando na contra-luz, desafiando a própria luminosidade com a opacidade da sua EXistência.

Trajava o (des)rigor da noite, numa veste longa, liberta de costuras ou avessos; tecido de um céu estrelado, sem a constelação maior que orienta o norte dos sentidos.

Ela, sentada.

Esquecida na margem de um rio, fitava, uma folha seca que boiava, num andamento lento, compasso da natureza, numa música sem melodia. Ausentou-se a menina de qualquer pensamento, fascinada que estava com aquele ponto de cor, seco, infértil, no leito da vida.

Ele cercou-a sem que desse conta. Emocionou-se com a sua ausência. Porque ela não estava ali, mas lá, naquela pequena barcaça seca sem tripulação, nem orientação.

Num gesto invasor, pegou-lhe na mão, e depositou-lhe uma gota do rio na palma amolecida. Ela acordou, não totalmente. Estava nesse limiar entre a consciência e o sonho, onde a realidade se faz sonhando, e o sonho parece real.

Sorriu.
Um sorriso primeiro louco, depois esmorecido. E brincou com a gota que ampliava os veios da sua carne, como se fosse caminhos encriptados, outrota secos, agora molhados, de um destino que se ia fazendo pelo simples facto de estar.

Dos seus olhos, saíram 2 lágrimas. Que se despediram do queixo e acomodaram-se na sua mão.
A vida, estava nela. Jamais adormecida.

O vulto, num sopro, tirou o chapéu e mostrou-lhe o seu inteiror como quem oferece uma flor.

Ela espreitou curiosa. Lá dentro viu o Universo. Mundos de mundos por descobrir, que se apresentavam assim, na humildade de milhares de pontos luz, que encerravam o mistério da natureza.

Cá fora, o leito de um rio sossegado.

Uma folha que se foi. Centelha de vida que seguiu.

2 comentários:

pin gente disse...

perdi-me, no lento navegar de uma folha caída.
encaixei-me no seu dorso e deixei-me ir na mansa corrente.
aquela folha levar-me-ia ao mar. aquela folha seca e morta far-me-ia sonhar.
ainda as suas nervuras contam das suas viagens, no sobe e desce da maré. ainda a sua apodrecida cor exala o aroma de outono, da terra molhada.
eu e ela... flutuando ao sabor do vento. unidas na viagem para o mar.



gostei muito do teu texto
um beijo
luísa

Unknown disse...

sou cada vez mais tua fã! adoro a forma como brincas com as palavras! beijoo