25.2.10

R.G.B.



Tive buracos nas mãos por onde via o mundo que me toca. Eram de um redondo perfeito, de tons secos, outrora brilhantes, mais tarde opacos e algo riscados.

Quando era miúda, julgava que eram janelinhas que se iam abrir, de onde sairiam cucos “cantaroleiros”, com uma história em forma de prenda para me dar. Ou então portais para uma dimensão infantil de Hansel e Gretel, onde a amizade e a aventura existem e persistem, nessa leveza da genuína simplicidade.

Com o passar do tempo, pensei que talvez visse, através deles, algo mais que a realidade; então focava-me no azul, no verde e no vermelho, na tentativa de deixar de olhar, para passar a ver.

Nunca vi mais, senão os caminhos por onde pisava, o céu que me vestia, as caras que não me falavam.
Lâminas fotográficas de uma dessas máquinas instantâneas, que perderam a memória antes de a ter.
Deixei das usar, porque nunca vi mais nada a não ser o que era.

Passei a abri-las na dor, na dúvida, na alienação, como quem abre a porta do quarto com a sensação de ter abraçado finalmente o melhor amigo. Despejava a alma nessas cores, destilando o que sou com o medo do que pensem que fui.

“O medo que pensem o que fui”- fui sempre outra coisa qualquer, motivada pelo sujeito e pelo complemento (in)directo que trouxe(mos) para a minha história.

Um dia tropecei num vendedor de verdades, que me disse existirem muitas mais cores no mundo, muitos mais horizontes, muito mais formas, diversas, imensas, histórias.
E tropecei noutro, e mais noutro, ao ponto de me esquecer, que tinha nas mãos fendas, por onde via o que me tocava com as cores que eu espelhava.

Hoje, tenho-as feridas e, no lugar dos buracos, cicatrizes a que chamam linhas. Um vendedor de seguros já mas quis cobrar, um vendedor de pensamentos já me quis perspectivar, vários vendedores de amores já mas quiseram roubar…nenhum as quis sarar.

Por vezes reabro na solidão um círculo perfurante. 
E aí descanso… de tudo o que me venderam, e me cegou, e que ainda dizem ser verdade!


Sem comentários: